segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Carros, para que vos quero...

Já há algum tempo intencionei escrever sobre a situação geral do trânsito em Curitiba, sob o ponto de vista urbanístico e tentando uma abordagem sociológica. Essa vontade nasceu quando li em uma reportagem intitulada “Curitiba Tem Maior Frota de Veículos por Habitantes do Brasil”, e reviveu, por assim dizer, ao ler um artigo publicado no portal Vitruvius. Muito estranho para a cidade que, segundo especialistas, possui o melhor sistema de transporte do país, não? Na verdade, nem tanto. O fato é que, apesar de Curitiba ter um transporte coletivo que, se comparado a outras cidades, é eficiente, não significa que o mesmo esteja adequado. O atual sistema de ônibus biarticulados circulando em canaletas exclusivas e “ligeirinhos” (linha-direta) dividindo espaço com os carros está saturado – afinal, a população cresceu, e muito. Com um transporte coletivo deficitário, lotado e lento, quem tem oportunidade adere ao transporte automotor individual – em Curitiba, a renda mensal per capita é de cerca de R$1.500,00, quase o dobro da média brasileira, o que possibilita que muita gente adiquira um carro por meio de financialmento e possa mater as despesas do veículo. Quem precisa pegar ônibus nos horários de pico, pena, e quem pode pagar pelo conforto de um carro... paga! (Se ficar preso no congestionamento, pelo menos dá para relaxar e ouvir um sonzinho...) Tem também a questão do metrô, que já vem sendo discutida há quase 10 anos – e sempre como estratégia eleitoral, como “projeto pronto” embalado com maquetes eletrônicas feitas na última hora, sem discussão com a população e com o meio profissional e, sobretudo, sem sair do discurso.
Contudo, a discussão de soluções para o trânsito, não só de Curitiba como de qualquer grande cidade brasileira – para restringir o foco à realidade nacional -, passa por n variáveis. Mas um ponto de concordância é o de que, se existe uma solução, esta passa necessariamente pela diminuição do número de carros trafegando pelas ruas. Afinal, além de geralmente não ser uma atitude possível, a adoção de medidas com o objetivo de ceder indefinidamente maior espaço aos carros, seja por meio de alargamento das vias, construção de avenidas, viadutos, etc. muito freqüentemente tem a contrapartida inversa de diminuir a qualidade de vida urbana.
Mas essa não é uma tarefa das mais fáceis de ser equacionada, pois, sociológica e antropologicamente falando, o carro é um objeto de status social: o indivíduo que tem uma caminhonete ultra luxo super (que consome uma quantidade absurda de combustível e ocupa um espaço considerável no trânsito urbano) sente-se superior ao resto da “gentalha”. Claro que essa mentalidade não é unânime, mas ainda é dominante. Tem também quem a situação de quem decide adotar um transporte individual, digamos, de impacto reduzido, e, por razões geralmente econômicas, adquire uma motocicleta. Estes são pobres coitados, marginalizados no trânsito, correndo riscos, ainda mais se tiverem uma caixa de fibra de vidro na garupa... Interessante notar que a marginalização é proporcionalmente inversa à quantidade de cilindradas da motocicleta em questão. E, por penúltimo na pirâmide do trânsito brasileiro (o último lugar fica mesmo com os pedestres e usuários de transporte coletivo), quem decide trafegar de bicicleta precisa ser corajoso. O pior é que tem muita gente que conheço – inclusive eu – que só não usa a bicicleta como um meio freqüente de transporte por questões de falta de segurança e de local adequado para circular. As ciclovias de Curitiba existem com fins de recreação, existindo ao redor dos parques, e ignorando o potencial da bicicleta como meio de transporte - a dita eficiência do planejamento urbano se restringe a ordenar o sistema viário do ponto de vista dos veículos automotores, e esquece de destinar espaço à bicicleta. Aliás, interessante notar que aqui as canaletas exclusivas dos ônibus expresso são muito utilizadas por ciclistas, a despeito do perigo de os mesmos serem atropelados por um vermelhão...